quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Capítulo Oito – A Fazenda.

Capítulo Oito – A Fazenda.

Quando os primeiros raios de sol elevaram-se no céu, Julian acordava, no mesmo lugar de sempre. Mas não era uma manhã como as outras. Uma pequena fenda entre as rochas era a entrada de um salão esculpido com maestria dentro do monte. Monte Seco. Os mais antigos, incluindo os da família, diziam que, quando chovia, o local era cercado pela chuva que nunca o atingia. O ar que procedia da chuva apenas conseguia regá-lo. Segundo os mais antigos que os antigos, o lugar era místico, ou pior ainda, amaldiçoado. Daí surgiu o nome pelo qual a cidade era conhecida. Mas Julian não se importava com os comentários, pois este sempre fora o local que escolhera para acordar quando as noites que aprendeu a detestar aconteciam. Ele, melhor do que ninguém, sabia o que era sentir-se amaldiçoado. Era seguro e trazia-lhe paz de espírito. Brincava ali, solitário, naquela caverna quando menino. Seus segredos estavam guardados naquele lugar. Os segredos que ele mantinha afastado das pessoas da cidade e, principalmente, das da família.
Enquanto caminhava de volta para casa, Julian remoía os acontecimentos da noite anterior. O rosto aterrorizado da menina de cabelos longos e olhos castanhos era uma imagem fixa na sua mente. O que ela estava fazendo na praça àquela hora? Ninguém saía às ruas; ninguém. De longe avistou Wladmir, aquele que o seguia por quase toda a parte, mas, principalmente, nas noites como as da véspera; por ordem do pai e, consequentemente, da avó, depois que este falecera. Julian sabia que Wladmir, o russo de dois metros e dezoito centímetros de altura, ficava furioso quando o perdia de vista. Fora privilegiado com a altura excessiva, mas sua capacidade de raciocinar não acompanhava esse dom. Tanto no país de origem como no Brasil, o russo conseguia atrair olhares curiosos e comentários carregados de maldade. Por essa razão, raras vezes saía da fazenda. E, sempre que o fazia, era para seguir o neto da mulher que agora o abrigava.
Wladmir havia seguido Julian, mantendo-se afastado, na tarde em que ele conversou com Melanie. Viu o rapaz iniciar a conversa com a estranha. Ninguém da família aprovaria. Mas não foi só isso que o deixou preocupado. O russo não compreendia o porquê de Julian ter ido na véspera, à noite, à cidade e, justamente, em hora imprópria. Na hora da dor. E pior, esteve com a mesma garota novamente. Julian pensou em escapar. Sabia que o russo não conseguiria alcançá-lo se assim desejasse. Mas Wladmir já deveria estar furioso o suficiente. Não queria mais irritá-lo. Então, esperou.

- Garoto mau. Por que fugiu de Wladmir? - esbravejou rudemente o russo, cuspindo saliva sobre Julian.

Wladmir possuía uma voz firme que ainda carregava um forte sotaque.

- Calma, Gigante. Eu precisei sair.

O russo amenizou a expressão do rosto. Destoando de sua aparência assustadora, o gigante tratava os da família com candura, principalmente Julian que, mais do que um protegido, passou a considerá-lo como um irmão caçula.

- Perigoso sair. – continuou Wladmir.

- Eu sei, Gigante. - concordou Julian.

- Ninguém pode saber que você conversar com garota estranha.

- Foi por isso que saí. Ela corria perigo. Você sabe.

- Wladmir entende. Família não.

- Eu não poderia deixar nada acontecer a ela. E você sabe muito bem, Gigante, o que aconteceria se eu não fosse até ela.

O russo meneou a cabeça e apontou na direção da fazenda. Julian compreendeu o pensamento do gigante.

- Wladmir não gostar do que garoto fez.

- Nem eu, Gigante. Nem eu.

Os dois seguiram, juntos, pelo descampado.

Alguém, vendo pela primeira vez a movimentação realizada na fazenda, poderia imaginar que aquela família que ali residia era normal, como tantas outras no interior deste país. Mas ela possuía um diferencial. Mais do que esconder, seus integrantes tinham que conviver com os segredos que os uniam. Eram amantes de Luna.
A matriarca, Agnes, carregava sobre si a responsabilidade de manter os acontecimentos dentro dos muros que cercavam a fazenda. Era uma mulher idosa, mas ninguém saberia dizer, ao certo, de quantos anos. Talvez nem ela mesma recordasse. O que se dizia a seu respeito era que já pusera os pés em grande parte do globo terrestre. Inclusive na Rússia, de onde seu filho primogênito Cássius trouxera Wladmir, ainda jovem. Morou em boa parte dos países nórdicos e até no continente asiático passou, antes de aportar na terra que a acolheu definitivamente. Quando seu marido, ferido mortalmente por um inimigo na Grande Batalha, incumbiu-a de chefiar a família, Agnes trouxe os sobreviventes para Monte Seco e, com muita dificuldade, fundou a fazenda que agora ocupavam. Nascida no seio de uma família de poderosos licantropos, em um vilarejo próximo a Via dos Lobos, essa senhora europeia carregava o indelével sentimento da vingança contra os nefastos e antigos inimigos.
Quando Julian, seguido por Wladmir, adentrou o pátio defronte à casa principal, os familiares paralisaram seus afazeres para acompanharem a incursão do jovem rapaz até onde estava a anciã, que já o aguardava na área de entrada. Ele percebeu que, naquele dia, não ouviria somente um dos velhos e conhecidos sermões da avó. Algo mais iria acontecer, já que a curiosidade instaurada pela sua chegada não o deixava com dúvidas. Julian diminuiu o passo com a intenção de obter mais tempo para pensar em algo que o auxiliasse a convencer a avó sobre suas atitudes. Wladmir empurrou-o, tentando demonstrar a todos que não compactuava com ele. O russo também tremia com medo de que a senhora mandassem-no verberar. Julian, temeroso, parou em frente à grande casa. Rústica, alta, sem pintura e com trepadeiras que quase alcançavam os beirais. Fora erguida com o esforço dos primeiros que ali se instalaram. Agnes saiu da imensa área frontal, desceu o degrau e seguiu até onde o neto permanecia parado, olhando para o chão.

- Você sabe o que fez? – perguntou Agnes.

- Sim, eu sei...

Julian nem terminou a frase e sentiu a mão da avó golpear-lhe a face. Não saberia mensurar quanta força aquele braço inválido pelo tempo possuía. Revirou-se e quase foi ao chão. Depois, tentou se recompor. Olhou para frente novamente e sentiu um espasmo de ódio quando viu surgir por detrás da avó a figura do tio. Marcus ostentava um sorriso sarcástico direcionado ao sobrinho. Julian lembrou que fora ele, o tio, a razão de ter que sair da fazenda para socorrer a garota.

- Calma, minha mãe. – sugeriu Marcus, abraçando a mulher – A senhora não tem mais idade pra essas coisas.

- Calma? É isso que me sugere? – Agnes afastou o braço de Marcus - Eu tenho tentado proteger esta família há muito tempo. Já passei por muita coisa que vocês nem podem imaginar. Não vou deixar que as coisas acabem assim.

- Eu sempre lhe digo... O castigo é a melhor solução para esse lobinho.

Julian fulminou o tio com o olhar. Marcus sempre o menosprezara. Cassius, o seu pai, esse, sim, ele temeu. Talvez essa fosse a razão de descontar tanto no sobrinho. Na sua mente, Julian voltou a visualizar o rosto congestionado da garota, quase desfalecia em seus braços. Se não estivesse lá, naquele momento, Marcus não a deixaria viver.

- Quieto, Marcus! – irritou-se ainda mais a velha senhora – Deixe que eu resolvo.

Marcus lançou outro sorriso repleto de sarcasmo na direção do sobrinho. Ele também sabia que Julian fora quem interveio em seu ataque.

- Quantas vezes eu falei para você que está proibido de sair destes muros nas noites de Luna?! Você entendeu?

Julian assentiu com a cabeça.

- Você! – ela apontou para Wladmir – Resolvo com você depois.

Wladmir abaixou a cabeça em submissão. Agnes deu meia-volta e entrou na casa, sendo seguida por Marcus. Simultaneamente, cada um dos familiares retornou às tarefas que executavam antes da chegada de Julian. Wladmir, com os olhos receosos, andava de um lado para o outro, falando em russo, totalmente sem rumo. Julian tinha o entendimento de que a avó realmente possuía toda a razão em chamar sua atenção, a sua decisão de expor-se fora arriscada. Mas também tinha absoluta certeza de que salvar a vida da garota foi o certo a fazer.
Ninguém transpassava aquela muralha. Poucas, muito poucas pessoas, que não eram familiares, podiam entrar. Na verdade, ninguém da cidade ousava aproximar-se do local, desde que se ergueram os muros, e estes novos moradores vieram morar ali. Humano nenhum era bem-vindo, quanto mais se pertencesse à raça odiosa dos inimigos.
Era o meio da tarde daquele dia, e Julian já havia suposto que a situação voltava a normalizar. Foi quando uma voz proveniente do lado de fora clamou pelo seu nome, tirando, definitivamente, a paz do lugar.

4 comentários:

  1. Por favor...continue...to louca pra saber o q vai acontecer.

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  2. aaa ta muuuuuuuuito legal !!!
    to doida pra lê o próximo capítuuulo *--*

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  3. Ai, Jesus!!!
    Estou com as minhas prévias (e não certas) conclusões emboladas na garganta.
    Eu quero falaaaaaaaar!! /)



    Tô amando, continue assim!
    Espero que vc poste logo o próximo capítuloo!! \o/

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  4. nossa ela foi o visitar num dia ruim.......

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