sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Capítulo Três – Julian

Capítulo Três – Julian


O garoto ficou parado quase uma meia hora, alheado, olhando para o horizonte. Em sua mente, irrompia a imagem perfeita: a linda menina, com seu All Star roxo, sentada debaixo da árvore solitária. Ainda em seus ouvidos, ele experimentava o som magistral de sua risada. Ela possuía uma fragrância peculiar, um cheiro que ele jamais havia apreciado.

- Está pronto, garoto. – disse o homem da oficina – Só levar.

Ele voltou a olhar para o interior da pequena oficina montada no quintal de uma casa e viu a velha caminhonete da família. O russo de dois metros e dezoito centímetros sorria, magnificente, ao lado da F-100 azul.

- Obrigado, Seu Carlos. – respondeu o garoto – Minha avó manda o dinheiro e o mel depois.

Esse conserto, assim como os das outras vezes, seria pago metade em dinheiro e metade em mel, produzido na fazenda em que o garoto morava.

- Não se preocupe. – respondeu o homem, batendo na caminhonete – Ela está firme como antes.

- Valeu, Seu Carlos. Por isso que a minha avó gosta muito do senhor.

- Mande um abraço pra ela. Só diga que não fui eu mesmo levar a caminhonete e fazer uma visitinha, porque não seria bem recebido... – o homem deu uma pausa – Você sabe por quem...

- Que é isso, Seu Carlos? Minha avó ficaria feliz em receber o senhor. Ninguém dessas bandas vai visitá-la; o senhor sabe.

- É. As pessoas daqui não a conhecem como eu. Levam suas vidas se baseando nessas histórias antigas.

- Eu sinto isso na pele todo dia.

O homem concordou com um aceno de cabeça, pondo fim na conversa.

O garoto Julian dirigia a velha, mas firme, F-100, pelas ruas de terra que dariam na fazenda onde morava com a avó e seus outros familiares. Wladmir, o gigante, ficava sempre na carroceria, por dois motivos: era muito mais confortável para suas longas pernas e porque amava sentir o vento fresco no rosto. O vento era o único toque de carinho que recebia. No seu país, o vento congelava; quase quanto o olhar das pessoas.
Julian conhecia aquelas curvas da estrada de cor, desde menino transitava por elas. Mas não era esse o motivo pelo qual dirigia quase que automaticamente; era por não parar de pensar na garota de quem nem mesmo sabia o nome. O rapaz olhou pela janela traseira da caminhonete e viu Wladmir rindo sozinho, recebendo o vento no rosto.

- Me responda, Gigante... – disse Julian - Como alguém pode saber quando está diante da garota da sua vida? Daquela que não existe outra igual?

Wladmir encolheu os ombros. Definitivamente, não saberia responder ao garoto. Ele nunca tinha feito uma pergunta desse assunto para o russo.

- Wladmir não saber responder. – disse, sincero, o russo.

- Mas você nunca esteve diante de uma garota que você nunca tinha visto antes e sentiu o mundo parar? – disse Julian.

Wladmir abaixou os olhos. Tinha sentido algo semelhante uma vez, na Rússia. Mas seu tamanho desproporcional, somado ao seu rosto disforme, não permitira que sua amada sentisse o mesmo. Apesar de compreender o que Julian estava tentando dizer, ele não saberia transformar em palavras.

- Fala pra mim, Gigante. – continuou Julian – É normal isso que eu estou sentindo?

- Já disse não saber.

- Me dá uma luz. – disse Julian, olhando para trás – Você é único com quem posso falar essas coisas.

- Mas, garoto, nunca falar antes essas coisas com Wladmir.

Julian pensou por alguns instantes.

- Tem razão, amigão. – completou Julian – É que isso é novo pra mim também.

Julian avistou o grande portão que dava acesso à fazenda da família. Estava na hora de voltar à rotina de sempre. Mas, amanhã, seria outro dia e poderia voltar até aquela árvore. Quem sabe a garota de cheiro agradável estaria sentada debaixo de seus galhos?

Um singelo canto de pássaros próximo à janela. Foi isso que acordou Melanie naquela manhã. Para quem dormia sem se incomodar com barulho dos motores de ônibus. Afinal, já chegaram a morar quase ao lado de um terminal rodoviário. E, toda a manhã, aquela correria de pessoas transitando, falando alto, xingando o motorista, distribuindo-se para lá e para cá, e até os insuportáveis alarmes, quando se usa a ré nos ônibus, já fizeram parte da trilha sonora dos sonhos de Melanie.
Procurou o celular para ver as horas e notou que estava sozinha no quarto. Na verdade, depois de alguns dias, já se acostumava ao novo habitat. Velho e com coisas velhas, assim como o restante de tudo na pousada. Bem diferente do seu quarto. Não que ele fosse uma maravilha, mas, pelo menos, tinha a sua cara. Sonolenta, ela concluiu que os outros dois membros da família deviam ter acordado há tempo. Apesar de não saber que horas eram, sentiu que dormira muito, como se fosse por quase toda a sua juventude. E dormir é o que mais fazia nesses dias, considerando que não havia nada para se ocupar naquela cidade. A TV pegava apenas o canal de novela e com uma imagem, quase sempre, indefinível. A rádio FM de uma das cidades mais próximas só tocava música sertaneja. As pessoas, então, sem condições de interação. Até as da sua idade, as poucas com quem manteve contato, não caberiam no seu círculo de amizades. Não que ela se imaginasse chata, no sentido de renegar alguém de ser meu amigo, mas as próprias pessoas não cediam muito para aproximação. Certo dia, tentara puxar papo com a menina que morava na casa ao lado da pousada. Ariela, a garota do mercadinho. Mas ela nem sequer a respondeu corretamente. Raíssa disse-lhe que era por Ariela sentir-se mal por ser gordinha. Melanie não ligava para isso. Tinha uma amiga assim na escola. E aqueles dois estranhos, então? O cara grande e o garoto sem camisa. Bom, pelo menos o garoto ficou encarando-a. De repente queria até fazer amizade, mas não falou nada, e Melanie sabia que, em se tratando de garotos, era muito tímida. Não seria ela a puxar papo.
Então, só lhe restava ficar no quarto, fechada, ou lendo os mesmos dois livros que trouxera. Melanie já tinha acabado “Razão e sensibilidade” e lia, novamente, “A menina que roubava livros”. Ou relia os livros mais uma vez, ou o que era mais triste, ficaria olhando pela janela, por horas, na direção de casa. Tomou um banho demorado e trocou de roupa. Ficou paralisada diante do espelho, olhando a si mesma, tentando imaginar um átimo do que o futuro poderia lhe reservar. Desembaraçou mecanicamente os longos cabelos, o brilho que provinha dos seus olhos castanhos não era o mesmo de antes; ela definitivamente era uma garota de cidade cosmopolita. Desceu imaginando as possíveis outras caras que teria de encarar e cumprimentar. Afinal, a pousada contava com outros hóspedes. Se pudesse, ficava no quarto o dia todo. Quem sabe fosse até uma boa ideia dar meia-volta, mas seu estômago não iria concordar e também desejava saber o que estariam fazendo a mãe e o irmão.
Antes de entrar na cozinha, percebeu que a foto que tinha observado na véspera não estava mais ali; fora substituída por uma mais recente da menina Raíssa. Melanie não conseguiu imaginar o que teria acontecido. Entrou na cozinha e percebeu o homem careca, que sempre mantinha a gola da camisa polo abotoada até em cima, concentrado, lendo um jornal. Dona Carmélia estava onde se podia apostar que uma senhora igual a ela ficaria: ao fogão, já iniciando os trabalhos para o almoço. Pensou em perguntar sobre a foto, mas não o fez. Considerou melhor indagar quando Dona Carmélia estivesse sozinha. Do outro lado da mesa, Nicolas e Raíssa perceberam sua presença.

- Até que enfim, dorminhoca. - falou Nicolas.

“Se estivéssemos sós, ele iria ver quem é a dorminhoca.” - pensou Melanie; mas apenas se limitou a fulminar o irmão com o olhar.

A senhora idosa olhou para trás e, sobre os óculos, encarou-a. O careca nem se mexeu.

- Bom dia! Quer café, criança?

“Criança. Detesto quando ela me chama assim.” – pensou mais uma vez Melanie.

- Criança não, vó! – exclamou a menina Raíssa – É Melanie! - a garotinha inclinou-se na direção da avó e, colocando uma das mãos no canto da boca, sussurrou - Ela não gosta que a chamem assim.
Dona Carmélia percebeu a interrogação no rosto de Melanie sobre as atitudes da neta.

- Raíssa, vai brincar lá fora. – disse a mulher.

A menina bufou e saiu, seguida por Nicolas. Dona Carmélia colocou uma xícara na frente da jovem.

- Pode se servir.

Ela apontou uma garrafa térmica sobre o centro da mesa, que estava quase toda ocupada por pães, bolos, broas e demais quitutes que possivelmente não seriam tão apreciados por Melanie como foram na primeira manhã.

- A senhora sabe da minha mãe?

- Ela saiu faz um tempinho. Disse que iria resolver algumas coisas importantes.

Melanie tomou seu café silenciosamente. Evitando até de fazer o barulho da xícara repousando no pires. Quem sabe, assim, ninguém falaria com ela. Foi mais rápida do que de costume e saiu. Passou rapidamente pela área de entrada e seguiu até o portão; não queria ouvir a voz de Nicolas, nem de sua nova amiga. Quando chegou à rua pensou: “Ou saio para dar uma volta por aí, ou retorno pra clausura que é aquele quarto.”
A rua que passava atrás da pousada era a principal da cidade. Foi por ela que seguiu até chegar à pracinha. Cruzou com poucas pessoas pelo caminho. Todos a olharam com certa curiosidade contida. Ficou esperando que alguém lhe cumprimentasse; ninguém se preocupou em fazê-lo; então, ela também não. Sentou no único banco que não estava totalmente quebrado. Colocou seus cotovelos sobre as pernas e ficou imaginado quando aquela bola de vegetação, que o vento carrega no deserto, iria passar pela sua frente.

“E se eu for até aquela árvore?” – pensou, entediada – “Não. Vou ficar aqui mesmo.”

O que faz uma pessoa se interessar por outra? E quando isso acontece inesperadamente, o que está por trás?
Melanie era uma garota que nunca acreditara em coincidências. Para tudo existe um porquê, ela pensava. E, talvez, estivesse certa. Menos de dez minutos depois, foi só ela desviar seu olhar, por instantes, para outra direção que algo chamou a sua atenção. Era quase meio-dia, o sol reinava absoluto no céu. Ela sentia o suor sobre a sua testa. Então, não foi capaz de avaliar a razão pela qual aquele homem seguia solitário, na sua direção, vestindo um longo e pesado casaco preto. Ela procurou o adjetivo mais infame possível para classificá-lo, mas não conseguiu. Com um sol escaldante daqueles, quem ousaria trajar uma roupa pesada como essas?

“A gente vê cada coisa neste mundo!” - pensou.

Achou melhor olhar novamente para o encasacado antes que ele estivesse bem perto, assim poderia rir da cara dele em seus pensamentos depois que ele passasse por ela. Olhou com o canto dos olhos, e ele estava mais perto do que ela havia suposto. Na verdade, bem perto. Moveu a cabeça rapidamente para o outro lado e permaneceu assim. Sentiu-se incomodada de repente. Não pelo fato de ser uma pessoa totalmente estranha que passaria em sua frente. Ela poderia fingir que se concentrava em alguma cena e ignorar. Mas algo diferente, angustiante, realmente mexeu com a menina.

- Olá!

Sentiu a voz do encasacado bem junto dela. Olhou na direção dele e o viu parado quase à sua frente. Era o garoto que acompanhava o homem grande. Notou que ele estava sem camisa, de novo, debaixo do casaco. E só depois vislumbrou o seu rosto. Era jovem, imberbe e não deveria ter mais do que 20 anos. Seus olhos tinham uma tonalidade diferente, quase como um cinza-claro. Certamente era bonito, daqueles de encher os olhos. Possuía um magnetismo, evidenciado pelo sorriso cativante que se somava ao estilo incomum que possuía. Melanie imaginou-o na escola, no primeiro dia de aula. Mas não vestido do jeito que estava agora. Se estivesse com uma calça jeans, mesmo que surrada, e uma camiseta qualquer, aí sim, causaria suspiros em Melanie e em seu grupo de amigas. Mas ele estava ali, somente diante dela, esperando uma resposta.

- Oi. – respondeu Melanie, mas sua voz quase não saiu.

- Você tem horas aí? – perguntou o desconhecido.

“Muito original!” – ironizou Melanie em seus pensamentos.

- Tenho! - respondeu a garota pegando o celular no bolso de trás – Faltam vinte pro meio-dia.

- Hum. – ele pronunciou, ficando em silêncio alguns instantes como que procurando alguma palavra para dar sequência à conversa.

Melanie limitou-se a ficar olhando para o display do celular.

- Eu sou Julian.

Ela viu sua mão estendida em sua direção. Hesitou um pouco, mas a apertou.

- Melanie. - revelou a garota, enquanto soltava, tímida, a mão do rapaz.

- Eu a vi embaixo daquela árvore depois da estrada. – disse ele, na tentativa de continuar a conversa. – ela apenas moveu a cabeça - Vai ficar muito tempo na cidade?

Mel respondeu negativamente, de novo com um aceno de cabeça.

- Vai morar aqui? – insistiu o rapaz.

“O que é isso? O cara é do FBI? Vai ficar me interrogando?” - pensou Melanie.

- Por uns dias. – respondeu ela, imaginando um “infelizmente” no fim da frase.

- Então, seja bem-vinda a Monte Seco.

Pela primeira vez, ela sentiu-se encorajada e olhou fixamente na direção do seu rosto. Encontrou seus olhos, encarando-a.

- Obrigada. - respondeu ela agora, ainda atônita com a sensação desconfortável que estava sentindo. Sempre passava por isso, justamente quando alguém chamava sua atenção.

- Está na pousada?

- Sim.

- Eu moro naquela direção. – apontou para onde havia vindo – Uns dois quilômetros mais ou menos. Saindo da estrada. Depois do velho seminário.

Ela esboçou um leve sorriso como que entendendo a explicação.

- Você parece incomodada com alguma coisa... – continuou Julian.

Melanie esboçou mais um sorriso sem graça.

- Bom. Já vou indo. – disse Julian, desapontado - Desculpa se incomodei você.

Melanie percebeu o quanto estava sendo hipócrita. Desde que chegou, só sabia reclamar dos habitantes do lugar, considerando-os antissociais. Agora, estava agindo da mesma maneira e justamente com a única pessoa que quebrara essa regra. Mas não o fazia por mal; sentia-se desconfortável nos primeiros contatos com rapazes desconhecidos. Ela precisaria passar por cima da timidez e tratar convenientemente o rapaz.

- Não. Eu que peço desculpas. – disse Melanie, levantando-se.

– Não se preocupe. – completou, sorridente, Julian - Às vezes eu falo demais.

- Isso é bom, já que por aqui ninguém costuma usar o dom da palavra.

- As pessoas são muito caladas, realmente. Mas isso é o que, geralmente, acontece em cidades como essa. As pessoas são mais reservadas.

- Então... Estou há alguns dias aqui e já estou agindo assim.

- Cuidado! Logo você estará falando “Ô, de casa” ou “Ô, diacho”.
Melanie riu, contida. O rapaz, além de bonito e educado, parecia ter bom humor. O melhor atributo para um homem, considerava ela. Ele percebeu o seu sorriso e encarou-a profundamente; parecia que queria penetrar na sua mente.

- Bom... Preciso ir agora. Estou indo até o mercadinho. – falou Julian, imaginando ser melhor não chatear mais a garota, para não perder a oportunidade de falar com ela em outra hora - Até depois.

- Até depois. – respondeu ela, desviando o olhar.

Julian analisou-a por inteiro, mais uma vez, e saiu. Melanie observou-o, retornando ao caminho anterior. Ela demorou a perceber que, apesar do calor, estava com as mãos congeladas. Ficou de cabeça abaixada por alguns segundos e, lentamente, olhou na direção de onde ele seguia. O rapaz caminhava com um porte ligeiramente elegante, como se flutuasse sobre o chão. Ela acompanhou-o com o canto dos olhos até ele desaparecer no fim da estrada.

Melanie já estava de volta à pousada. Olhando no espelho, ela sabia que havia ficado impressionada. “Até depois.”; foram as últimas palavras do rapaz. Ficou imaginado quando isso seria. Passou toda a tarde pensando no estranho, que usava um sobretudo, no auge do calor do dia. Ele disse-lhe seu nome: Julian. Mais do que tudo, ficou impressionada consigo mesma, normalmente esse era o tipo de rapaz que não a atrairia. Era bonito e atraente, mas geralmente se entendia bem com os menos bonitinhos. Não tinha tanta pressão sobre eles, e ela não precisaria disputá-los com a miss escolar.
Por volta das três da tarde, Flávia retornou. Melanie, como sempre, estava absorta, debruçada sobre o peitoril da janela. Agora não mais depositava sua atenção na direção da cidade onde morava e, sim, na direção da pracinha em que conhecera Julian.

- Roendo as unhas de novo, menina? – alertou Flávia, percebendo Melanie concentrada na janela – Pare com isso; já lhe falei. Vai comer todos os dedos assim.

Melanie tirou o dedo da boca. Realmente tinha esse hábito horrível.

- De novo trancada neste quarto, menina? – repreendeu-lhe, mais uma vez - Vai definhar assim.

- Já saí. – respondeu Melanie - Fui dar uma volta hoje de manhã.

- Hum! Bom sinal. Alguma surpresa?

- Comigo não. E com você?

- Se está me perguntando o que eu fui fazer, – respondeu Flávia, jogando-se na cama – fique calma que já está tudo se resolvendo, e já estaremos sumindo daqui. – a mãe dera ênfase, prolongando ainda mais no “sumindo”, somado a um gesto de decolar, como se eles fossem sair dali de avião.
Melanie analisou aquelas palavras. Era tudo o que ela desejaria ouvir. Antes, obviamente, daquela manhã em que, enfim, decidira sair. Algo mudou sua vontade urgente de partir: Julian.

Um comentário:

  1. ou romance
    um car aperfeito e lindo
    que chama sua atenção
    e einda vc chama atenção
    dele......pronto esta
    formado um par perfeito

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